PR apela ao concurso de todos os cabo-verdianos em defesa da Democracia

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(Video: cortesia da ANTV)

O Presidente da República, José Maria Neves, falou à Nação esta sexta-feira, 13 de janeiro, na sessão solene alusiva ao Dia da Liberdade e da Democracia, aproveitando a ocasião para uma reflexão que apela ao reforço do compromisso de todos os cabo-verdianos com a Democracia, pois que “ela tem de ser cuidada”.

Num olhar de fora para dentro, o Mais Alto Magistrado sublinha os casos do Brasil, recentemente, e dos Estados Unidos, há um ano, como exemplos dos perigos que a Democracia enfrenta hoje no mundo, com o crescimento de discursos e lideranças populistas que advogam a defesa da liberdade e democracia para atacá-las.

Não obstante, “um percurso que nos orgulha” o PR Neves assinala, entretanto, desafios para a nossa Democracia dos quais “temos de estar conscientes”. Desafios esses que têm a ver com a “aparente regressão em alguns domínios, principalmente na dificuldade em conseguir consensos, e dos esforços necessários para o seu aperfeiçoamento permanentemente e sua melhor credibilização.

Daí que “temos que cultivar o respeito pela legalidade democrática e pela ética republicana, sobretudo por parte das autoridades.”, reflete.

O perigo da “banalização” e “desgaste” das instituições são alguns dos perigos que o país e as democracias pelo mundo enfrentam, com a adoção de atitudes e discursos populistas e que dão lugar a forças iliberais, autoritárias e extremistas, portadoras de problemas graves para a vida democrática do país.

Confira esta e outras considerações do PR na referida intervenção, aqui no video e na versão escrita em baixo:

Caras caboverdianas e caros caboverdianos, residentes e na diáspora,

Ilustres Convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Estamos aqui reunidos para celebrarmos o Dia da Liberdade e da Democracia. Nunca é demais comemorá-lo, com fragor e regozijo, como uma das mais importantes datas nacionais. Este é o regime político que escolhemos, de forma convicta, já lá vão trinta e dois anos. É ocasião para comemorarmos os valores comungados pela generalidade da Nação caboverdiana, com sentimento de satisfação por um percurso que nos orgulha a todos e, ao mesmo tempo, refletirmos sobre os tempos de hoje e o futuro que podemos construir.

Mas permitam-me que inicie a minha mensagem, com um olhar de fora para dentro, a propósito de acontecimentos recentes, que tiveram lugar no Brasil, e que configuram um alerta vermelho e um aviso à navegação para todos os países que optaram pela Democracia como regime político. É oportuno relembrar que os lamentáveis episódios ocorridos neste domingo, remetem-nos para eventos semelhantes, também relativamente recentes, e que a todos surpreenderam, pela sua ousadia e por terem acontecido num outro país com uma profunda e já consolidada tradição democrática.

Por acontecerem nesses países, de democracias já enraizadas, com as suas instituições a funcionarem normalmente e, aparentemente, a salvo destes riscos, leva-nos a concluir que o maior perigo de uma Democracia advém justamente do facto de julgarmos que ela não corre perigo. Fica claro que a nossa obrigação é agora de questionar sobre a irreversibilidade da Democracia, entre nós e em outras paragens, principalmente quando cresce o número de países com regimes mais autoritários. É evidente que a democracia é uma planta muito frágil, que deve ser permanentemente cuidada, com muito desvelo, sob pena de se ir silenciosamente murchando.

Infelizmente, somos levados a concluir que a Democracia se encontra sob ataque, sofrendo erosão e recessão por forças que, no seu bojo e aproveitando-se dos seus nutrientes – veja-se, por exemplo, que os manifestantes de Brasília recorreram ao sagrado direito à liberdade de expressão e de manifestação para instigarem à violência, ao ódio, ao desrespeito e à destruição –, dizia, aproveitando-se dos seus nutrientes, investem contra as instituições democráticas, provocando fissuras nos seus pilares. Daí resulta a enorme complexidade do regime democrático nos tempos de hoje: invoca-se a democracia, para destruí-la. Atos aparentemente democráticos são intencionalmente realizados para provocar a subversão à ordem constitucional, o desrespeito às regras do jogo e aos órgãos de soberania, criando um ambiente de confusão e de caos, favorável ao crescimento dos extremismos, do iliberalismo, do populismo e do autoritarismo.  

Aproveito esta oportunidade para repudiar, mais uma vez, os referidos atos ocorridos nesse país irmão, e expressar toda a solidariedade aos representantes legítimos do povo brasileiro, com destaque para o Presidente Lula da Silva, e que foram escolhidos recentemente em eleições transparentes, livres e justas, e assim reconhecidas pela comunidade internacional. Nestes dias assistimos às revoltantes cenas da invasão e depredação, com incalculáveis danos patrimoniais e de imagem, que tiveram lugar em edifícios símbolos do poder democrático, com a intenção clara de sequestrar e tomar de assalto e destruir a Democracia.

Face a todos estes atos abomináveis, temos que reforçar o nosso compromisso com a Democracia, que terá os seus defeitos, por não ser perfeita, obviamente. Ela dá muito trabalho, é certo, mas continua a ser o único regime aceitável, já que outros têm sido experimentados, tendo-se mostrado ser sempre o melhor dos piores regimes políticos. A Democracia é o império da Lei e é nosso dever protegê-la e defendê-la contra todas as tentativas visando o seu aniquilamento, ou seja, contra o extermínio do Estado de Direito.

Devemos, pois, com serenidade, refletir sobre os desafios e os perigos que a Democracia enfrenta, tanto em Cabo Verde como em outras latitudes. Há que evitar os discursos inflamados e a polarização excessiva, a demagogia e o populismo externados por radicais que, através de soluções simplistas, exploram a ineficácia do sistema, as imperfeições e os desencantos de determinados segmentos da população.

Muitas vezes recorrem ao discurso do ódio e à violência, provocando roturas e fissuras no sistema democrático, porém, sem nunca resolver os problemas. Vale realçar que a violência e o desrespeito são argumentos de quem não tem argumentos, e que a mentira se combate com a verdade. As tentativas de subversão da Democracia requerem uma resposta contundente. As contemplações, inações ou omissões podem custar caro.

Passados trinta e dois anos sobre a data que ficou referenciada como sendo o Dia da Liberdade e da Democracia, Cabo Verde contabiliza ganhos, principalmente pela estabilidade política, forças políticas que se sucedem à frente dos destinos do país, sem sobressaltos e sempre com respeito pelas escolhas feitas nas urnas. A nossa Democracia é geralmente apontada como referência pela comunidade internacional.

Mas temos que estar conscientes dos desafios que ainda enfrentamos, da aparente regressão em alguns domínios, principalmente na dificuldade em conseguir consensos, e dos esforços necessários para o seu permanente aperfeiçoamento e sua melhor credibilização. Temos que cultivar o respeito pela legalidade democrática e pela ética republicana, sobretudo por parte das autoridades.

Caso contrário, estaremos a resvalar para a banalização das instituições, para o seu desgaste, cedendo lugar ao populismo, ao advento de forças iliberais, autoritárias e extremistas, portadoras de problemas graves para a vida democrática do país. A forma ligeira e desrespeitosa como se discute determinadas questões políticas essenciais pode originar cansaço e descrédito em relação à política, aos políticos e às instituições, o que só desvaloriza a Democracia.

Cabe, pois, tudo fazer para reforçar as instituições enquanto pilares do sistema democrático, valorizar a política, os políticos e os partidos e qualificar a Democracia. Reitero a necessidade de cada vez melhor entendimento e cooperação entre os órgãos de soberania e uma leitura adequada de determinados conceitos, nomeadamente a interdependência e separação de poderes, podendo sempre contar com a disponibilidade institucional do Presidente da República para a busca dos melhores entendimentos. A Democracia é um regime de instituições enquanto estruturas, normas, regras, hábitos mentais e costumes. Temos que reforçá-las e melhorar o seu desempenho através da disponibilidade para o diálogo e a procura incessante de consensos.

Só se consegue construir a Democracia com democratas genuínos, com todo o mundo a conversar, a debater de forma salutar; recuperando as boas relações entre políticos, vizinhos, colegas de trabalho, classes profissionais, academia, etc. Desta forma, com pedagogia, estaremos a dissipar o clima de crispação, algumas vezes presente, e contribuir para o diálogo, tolerância, cooperação e confiança.

A Democracia é construída com os nossos dissensos e divergências, mas ela também exige a convivência pacífica entre todos, com a maioria a preocupar-se com as minorias, sendo certo que nem mesmo uma maioria absoluta quer dizer poder absoluto. São sempre desejáveis e necessárias a busca e obtenção de consensos, o que beneficia os cidadãos, credibiliza as instituições democráticas e facilita o revezamento de papéis, como sempre sucede em Democracia.

Quanto maior o respeito pelo adversário, maior é o contributo para a elevação do debate político. Mais cultura democrática significa melhores condições de fala e maior disponibilidade do outro para ouvir. Sublinho aqui a necessidade de reaprendermos a escutar e a discutir. É possível divergir com elegância, respeito e consideração. Na Democracia há situação e oposição. O governo governa e a oposição faz o seu papel, sempre com respeito mútuo.

Daí ser indispensável o diálogo, entendimentos e consensos entre as forças políticas, com vista à implementação das políticas públicas, na busca do Bem Comum, principalmente quando somos assolados por múltiplas crises. É igualmente pelo diálogo e pela concertação que esta Assembleia irá resolver a questão dos órgãos externos ao Parlamento, de forma a suprir uma falha que já se vem arrastando há anos e que, agora, vejo que há manifestações das partes no sentido da sua resolução, respondendo aos ditames constitucionais.

Uma comunicação social livre, forte e independente contribui para uma boa saúde da Democracia. Esta fica sempre mais frágil se a imprensa se cala ou se acovarda. Os inimigos da Democracia, dificultam a vida a uma imprensa livre para, também, enfraquecerem a resistência dessa mesma Democracia. Temos que evitar tanto a censura como a autocensura e trabalhar para que Cabo Verde volte a subir no ranking de liberdade de imprensa. Reconheço o enorme trabalho que os profissionais da comunicação social, aqui e na diáspora, em órgãos nacionais e internacionais, públicos e privados, vêm realizando em prol da Liberdade e da Democracia. Presto a minha singela homenagem àqueles que deixaram o nosso convívio neste ultimo ano.

A Democracia não se esgota apenas na realização da eleição, por mais que ela ocorra com pontualidade, e os seus resultados sejam sempre respeitados. A nossa não vai bem, quando cerca de 73.000 caboverdianos vivem em situação de extrema pobreza e aproximadamente 46.000 em situação de crise alimentar aguda; o desemprego jovem é elevado, a inflação atinge principalmente as famílias mais carenciadas e a desigualdade aumenta. De salientar que a condição de pobreza não é uma opção, sendo que ela fere a dignidade humana e é um terreno fértil para o condicionamento do voto.

Constata-se a urgência de uma reforma global do Estado e da Administração Pública, com medidas estruturantes, adequando as suas dimensões às reais necessidades do país, reduzindo custos, potenciando ganhos de eficácia e de eficiência, com mais flexibilidade e respondendo com mais sofisticação aos ingentes desafios do atual contexto socioeconómico.

Bem concebida e executada, ela será capaz de ter efeitos na redução das despesas de funcionamento do Estado, libertando meios para o combate à pobreza e às desigualdades, contribuindo efetivamente para que uma larga franja de caboverdianos das classes mais desfavorecidas possa ter acesso a mais recursos de forma a poder ter uma vida mais digna.     

A Democracia também se realiza, e se cumpre a Constituição, quando os caboverdianos tiverem melhores condições de mobilidade entre as ilhas; quando os órgãos de regulação tiverem bom desempenho; quando a justiça for mais célere e diminuir a sensação de impunidade; quando a violência urbana for reduzida através de estratégias capazes de agir mais na prevenção do que na repressão.

Termino apelando ao concurso de todos para, juntos, trabalharmos no sentido de aperfeiçoarmos cada vez mais a nossa Democracia que é, acima de tudo, uma construção coletiva, e para benefício de todos, sem exceção.

Viva a Liberdade!

Viva a Democracia!

Viva Cabo Verde!

Muito Obrigado!