Neste Dia Internacional da Síndrome de Down, é com sentido de responsabilidade que acolho, aqui no Palácio do Presidente, as cerimónias comemorativas desta efeméride. O convite que me foi endereçado pela Dra. Isabel Moniz, Presidente da Associação Colmeia, para presidir à cerimónia de abertura, foi prontamente aceite. Considero que é sempre mais uma oportunidade de debate e de troca de informações, que deve ser aproveitada para conferir maior visibilidade à causa das pessoas com Síndrome de Down e outras deficiências, contribuindo para combater um certo preconceito que, infelizmente, ainda reina na sociedade.
Todos nós devemos nos engajar nessa batalha pela inclusão. É uma luta de todos. Temos de fazer um grande “Djunta Mon”, para realizar plenamente o que está estabelecido no artigo 76.º da Constituição da República. Que cada pessoa com deficiência seja tratada com a dignidade e o respeito que merece e, assim, sinta orgulho de fazer parte desta grande Nação.
Cabo Verde ratificou, em 2010, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas. Esta Convenção tem como propósito “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência” e estabelece como princípios gerais, entre outros, “o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas” e “a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade”.
Para o nosso País, a adoção dessa Convenção constitui um desafio, que visa derrubar as barreiras que persistem: por um lado, as barreiras das acessibilidades, físicas ou tecnológicas e, por outro lado, as barreiras à igualdade de oportunidades na formação e no emprego, ao pleno exercício da cidadania e à participação política dos cidadãos com deficiência ou algum tipo de incapacidade.
Associando-me a este desafio, é importante sublinhar o muito que já foi feito em Cabo Verde pela defesa dos direitos dos cidadãos com deficiência, lembrando, igualmente, o que há ainda por fazer no caminho de uma sociedade mais inclusiva e acessível.
Constatamos que a nossa atual legislação é relativamente avançada, em termos de arquitetura e abrangência, capaz de conduzir a uma melhoria significativa da condição de vida das pessoas com deficiência. Da mesma forma, as medidas de política existentes relativas à inclusão social merecem o nosso justo reconhecimento, uma vez que simbolizam tudo o que já foi feito no país nessa matéria, pelos sucessivos governos da República.
De igual modo, regozijo-me com a perseverança de todas as pessoas com deficiência que batalham diariamente por uma vida condigna, juntamente com os seus familiares, os profissionais e todos os auxiliadores e promotores da sociedade civil, nomeadamente as Organizações não Governamentais (ONG), especialmente que se esforçam para garantir os seus direitos e o seu bem-estar. Destaco aqui, de forma particular, a Associação Colmeia, na pessoa da sua Presidente, Dra. Isabel Moniz, promotora desta atividade, que há quase uma década, vem batalhando de forma incansável para que os direitos de pessoas com deficiência sejam efetivamente observados.
Todavia, não obstante os importantes ganhos registados com a adoção do quadro legal vigente e implementação de programas e medidas especiais de proteção dos direitos das pessoas com deficiência, continua, ainda, a verificar-se uma grande disparidade na concretização desses direitos que vem sendo reforçada pelas consequências da crise mundial provocada pela pandemia de Covid-19 e pelo aumento de preços de bens alimentares e energia, provocando o aumento da inflação, a estagnação económica e a precarização das condições de vida das pessoas menos possidentes.
Na verdade, as pessoas com deficiência ainda são frequentemente excluídas ou têm um acesso bastante limitado aos sistemas de saúde, da educação e ao nível das acessibilidades. Pelo que é fundamental que o Estado, e a sociedade de modo geral, deem uma atenção especial a esse grupo social, reforçando os serviços de assistência social e não descurando os avanços alcançados nesta matéria, sob pena de regredirem, arrastando dezenas de milhares de pessoas, já vulneráveis, para níveis de vida absolutamente inaceitáveis.
De acordo com os dados do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2021, cerca de 47 mil caboverdianos vivem com algum tipo de deficiência, condição que, geralmente, gera ou agrava a pobreza. Estamos a falar de quase 10% da população, sendo a maioria, mais de 29 mil mulheres, e quase 18 mil homens. A problemática da deficiência constitui, assim, um grande desafio para a nossa sociedade, especialmente para as famílias. Basta lembrar casos de famílias monoparentais, em que a mãe, único arrimo do lar, se vê impedida de sair de casa para trabalhar, devido ao grau de dependência de um filho, que exige cuidados especiais. Esta circunstância contribui para acentuar o rosto da pobreza em Cabo Verde, que é, essencialmente, feminino.
O direito ao acesso à educação, de todas as pessoas com deficiência, com base na igualdade de condições e de oportunidades, deve ser assegurado através de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, com profissionais cada vez mais preparados e em escolas com adaptações de acordo com as necessidades, ou seja, escolas que proporcionam ambientes que maximizem o desenvolvimento académico e social, compatíveis com a meta de inclusão plena.
O atendimento às pessoas com deficiência deve ser feito por profissionais de saúde e com a mesma qualidade dispensada às outras pessoas. As reformas a introduzir a nível da Previdência Social serão no sentido a dar acolhimento às demandas de pessoas com deficiência, nomeadamente, alargando o leque de especialidades a serem cobertas pela comparticipação, tanto no quadro contributivo, como no quadro não contributivo.
Apesar de certas limitações, os preconceitos continuam a ser vencidos e é hoje consensual que as pessoas com deficiência devem ser admitidas no mercado de trabalho, exercendo um direito que se lhes assiste, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Quer isso dizer, que é vedada a discriminação, baseada na deficiência, com respeito a todas as questões relacionadas com formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho.
No seu dia-a-dia, os nossos deficientes ainda enfrentam imensos obstáculos no que respeita a acessibilidades. Isto, apesar de existir uma legislação bastante avançada e que procura a inclusão e a equidade. Ou seja, ainda permanece o grande desafio de propiciar acesso sem barreiras, aos edifícios públicos, estabelecimentos de ensino, instalações médicas, locais de trabalho, moradias, meios de transportes públicos etc.
A inclusão social, entendida como a participação ativa nos vários grupos de convivência social, de pessoas com deficiência, quer de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, merece de nós todos, simpatia e vigoroso carinho. A par dos reconhecidos méritos das ONG, espera-se o mais convicto empenhamento dos outros parceiros nesta luta, quais sejam, famílias, igrejas, escolas, comunidades de fé, empresas, autoridades públicas e privadas, comunicação social, ou seja, de toda a sociedade caboverdiana, assumindo uma cultura de inclusão, a todos os níveis.
Tenho por mim que lá onde a família assume as suas responsabilidades há uma enorme diferença. Temos de ter consciência da responsabilidade das famílias cabo-verdianas na educação dos seus filhos e na inclusão das crianças com necessidades especiais. É fundamental que as famílias assumam as suas responsabilidades, e quando as famílias assumem as suas responsabilidades também as empresas, todas a sociedade civil e outros atores relevantes hão de assumir as suas responsabilidades.
Portanto, o apelo é para que as famílias, as igrejas, as escolas, as empresas, as autoridades públicas e privadas, a comunicação social, repito, assumam plenamente as suas responsabilidades.
Aqui também é preciso chamar a atenção a todos os homens cabo-verdianos. Os homens cabo-verdianos não podem continuar a dar sinais de fraqueza. Os homens cabo-verdianos não são fracos, mas todos os dias revelam sinais de fraqueza ao não assumirem as suas responsabilidades em relação aos seus filhos, particularmente aqueles que têm necessidades específicas, ou seja necessidades especiais. E isso é fundamental.
É claro que a sociedade cabo-verdiana também tem de ter uma atitude diferente em relação à educação dos rapazes, porque se não os rapazes vão ficar para trás, as famílias não vão poder assumir plenamente as suas responsabilidades quando são só as mulheres que as assumem.
Nesse quadro, faço um veemente apelo à consciência dos atores políticos – Deputados Nacionais, Governo e Autarquias Locais – da necessidade de adotar medidas legislativas e outras que conduzam a uma melhoria significativa da condição de vida das pessoas com deficiência. Se a primeira dimensão do cuidado às pessoas com deficiência recai sobre as famílias, e prende-se com o amor, a segunda dimensão, que é o da proteção e inclusão, recai sobre o Estado e a sociedade civil. Cabe ao Estado grandes responsabilidades a nível da promoção e inclusão social, quer pelos dispositivos constitucionais, por tratados e convenções internacionais de que Cabo Verde é parte, quer pelas leis ordinárias, normas e procedimentos vigentes.
Mas, falar do Estado é absolutamente generalista, porque o Estado é, muitas vezes, uma abstração. Nós temos de falar dos atores estatais relevantes. E, portanto, repito, é fundamental que os Deputados Nacionais, que o Governo, as autoridades municipais assumam todas as suas responsabilidades na formação de políticas públicas orientadas para uma maior inclusão.
A visibilidade, a inserção, o respeito e a valorização das pessoas com deficiência são imperativos para o mundo que aspiramos, e Cabo Verde não pode ser uma exceção. Constatamos que sempre que lhes é proporcionado oportunidades no mercado de trabalho, nos mais diversos ramos de atividade, elas têm um desempenho muito elevado. No domínio das artes e da cultura, os exemplos de sucesso são inspiradores.
Estão a ver esses quadros (concebidos por crianças e jovens com necessidades especiais), podem inspirar-nos a fazer mais e muito mais pelas crianças que têm necessidades educativas especiais.
No desporto, merece destaque o caso dos atletas paralímpicos, que têm dado provas de resiliência e de superação, representando Cabo Verde ao mais alto nível e sagrando-se campeões mundiais.
Devemos pensar com empatia naqueles que têm necessidades especiais e na sua inclusão. A deficiência é uma condição humana que devemos aceitar com naturalidade, já que todos nós estamos potencialmente sujeitos a ela. Para termos uma sociedade mais justa, mais moderna e mais próspera, precisamos de cuidar dos que são mais vulneráveis e necessitam de cuidados acrescidos. Um crescimento genuíno implica crescer material e espiritualmente. Temos que ter uma cultura de cuidado. É uma questão de Direitos Humanos!
E hoje, 21 de março – eu gostaria que o ano todo fosse de marços -, é Dia da Poesia, da Árvores, contra a Discriminação, e é, também, o Dia da Fertilidade, da Criação, um pouco também o dia da Dignidade, da Fertilidade. Hoje é um dia de todas as coisas. Pensemos com muito cuidado em todos aqueles que têm necessidades especiais e que precisam do nosso apoio. Precisam da nossa amizade, do nosso abraço, do nosso cuidado. Hoje um abraço pode ser um poema. Hoje um abraço pode ser plantar uma árvore – e já dizia alguém que a árvore é fundamental porque dá-nos sinal da dignidade, as árvores morrem de pé.
Que façamos do dia de hoje um dia de inclusão, de grande amizade, um dia de cuidado e proteção, mas sobretudo um dia de pensar num Cabo Verde melhor. E um Cabo Verde melhor é, com certeza, um Cabo Verde muito mais inclusivo.
Muito Obrigado!