As minhas saudações a todas e a todos!
Uma vida sem violência é um direito fundamental, que deveria estar ao alcance de todos, mas, infelizmente, a realidade é bem outra, e bastante perturbadora. É com uma frequência preocupante que as nossas mulheres, sobretudo elas, passam por situações atormentadas devido à Violência Baseada no Género. Com efeito, a VBG continua a ser um enorme problema social, provocando feridas profundas no corpo e na alma de muitos cabo-verdianos, particularmente na ilha do Fogo. Daí a oportunidade desta VI Semana de Reflexão sobre Violência Baseada no Género, pela primeira vez, na ilha do Vulcão. Juntos, podemos encontrar uma saída para esta dramática realidade, que ameaça sobretudo a vida das nossas mulheres.
O ano de 2024 já atingiu um número record de feminicídio – situação extrema de todas as violências – e esta não é uma mera questão de estatística. São muitas vidas que se foram, que deixaram um rastro de sangue, de sofrimento e de lares desfeitos. Não podemos continuar a consentir este flagelo! Mas é também de assinalar que, ao mesmo tempo, mais de dois terços dos cabo-verdianos reconhecem a VBG como a questão mais importante relacionada aos direitos das mulheres; 97% defendem que não se justifica nunca os homens usarem a força física contra as suas esposas.
É oportuno questionarmos sobre o motivo das nossas falhas, principalmente no tocante à educação dos nossos rapazes. Mas também das nossas mulheres. Estou convencido de que temos as condições necessárias para uma inflexão capaz de trazer um quadro de maior harmonia e menos desprezo pela mulher. Tal mudança passa, obrigatoriamente, pelo reforço dos planos de sensibilização e prevenção da VBG, bem como de sensibilização e educação, através de campanhas de consciencialização e educação visando o combate à violência de género e a promoção da igualdade entre homens e mulheres. A comunicação social será sempre uma aliada incontornável na promoção da igualdade e equidade de género e no combate à VBG.
A prevenção revela-se a aposta certa, conjugada com um sistema interligado entre polícia, procuradoria, ICIEG, sistema de saúde, para se alcançar resultados melhores do que os atuais. Há que envidar todos os esforços para a deteção precoce da VBG, pelas vantagens daí advenientes, poupando-se dramas sociais e familiares. Estamos face a uma calamidade que atinge todas as classes sociais, em todas as ilhas, quer no meio urbano, quer no rural.
O empoderamento das famílias, núcleo central na educação e na transmissão dos valores da amizade, da fraternidade e do amor ao próximo, é uma das formas mais eficazes de combate à VBG. É, pois, fundamental, investirmos no crescimento inclusivo e ambientalmente sustentável, como forma de garantir rendimentos às famílias, o combate à pobreza e às desigualdades e a coesão social.
Convém sempre realçar que o crime de VBG é de natureza pública. Quer dizer que não cabe a expressão “entre marido e mulher não se mete a colher”. Sabemos, por outro lado, que a vítima nem sempre efetua a denúncia, o que leva a uma subnotificação dos casos. Vários tipos de constrangimentos levam a que quem sofre de VBG acabe por não denunciar. Sendo crime público, o envolvimento da sociedade na denúncia é importante, mas o dever dos agentes de aplicação da lei é ainda muito mais especial. São os casos das entidades policiais, funcionários públicos, médicos e técnicos de saúde quando, no exercício das suas funções, tenham conhecimento da prática desse crime.
Podemos afirmar que Cabo Verde dispõe de um interessante quadro legal relacionado com a VBG, conjugado com a ratificação de diversas convenções internacionais. Constata-se, no entanto, que o seu conhecimento é deficiente e regista-se, igualmente, um deficit na sua implementação. É garantido o direito de acesso à justiça, embora muitas pessoas não tenham conhecimento desses mesmos direitos. Há, pois, que torná-lo mais efetivo e ter presente que o procedimento criminal é urgente. A morosidade da justiça deve ser evitada porque ela pode provocar desânimo na sociedade e o descrédito da justiça.
É de sublinhar o compromisso do Estado caboverdiano, ao longo dos anos, no enfrentamento deste mal social e na garantia da segurança e dignidade de todas as pessoas, independentemente do seu sexo ou identidade de género. Isto se traduz, principalmente, nas Leis aprovadas e nas Redes de Apoio criadas.
Às vítimas deve ser garantido o apoio e a proteção adequada de forma a poder lidar com a situação. Por outro lado, precisamos garantir que as vítimas não sofram devido à falta de preparação para o atendimento a pessoas com deficiência, pessoas do sexo masculino e LGBTI, geralmente marcados por estereótipos de género e discriminação. O sigilo no atendimento deve ser garantido.
O consentimento nem sempre é um conceito conhecido por todos, resultando em violência sexual dentro do casamento. Para que haja consentimento é preciso escolha, liberdade e capacidade para fazer a escolha. A violência no namoro deve ser combatida, pelo que se torna fundamental que a sociedade civil e os órgãos governamentais trabalhem com os rapazes e as meninas, em especial no âmbito escolar, por meio da implementação de políticas públicas. À família cabe não educar os homens para serem violentos, e as mulheres para serem submissas. Há que promover a recuperação do agressor, incluindo a implementação de programas de apoio psicológico ou psiquiátrico, educação e prevenção da VBG.
As minhas palavras finais são de encorajamento a todos os setores da sociedade para um djunta mon na luta contra a Violência Baseada no Género e que todos trabalhem juntos para a edificação de uma cultura de respeito, igualdade e não violência em Cabo Verde. Espero que a ilha do Fogo seja bastante inspiradora e que essa reflexão em curso, seja capaz de apontar caminhos tendentes a mudanças profundas no nosso comportamento em matéria de VBG.
Muito obrigado pela vossa atenção!