Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O Acordo de Independência celebrado entre o Governo português e o PAIGC, a 19 de dezembro de 1974, em Lisboa, abriu caminho à criação de um Governo de Transição, constituído por um Alto Comissário, com a categoria de Primeiro Ministro, que presidia, e dois Ministros, nomeados pelo Presidente da República Portuguesa, e mais três Ministros, nomeados por indicação do PAIGC.
Era, pois, um Governo paritário, integrado por três portugueses e três cabo-verdianos, organizado em sete Ministérios:
- da Administração Interna;
- da Justiça;
- da Coordenação Económica;
- da Educação e Cultura;
- do Equipamento Social;
- do Trabalho;
- dos Assuntos Sociais.
As áreas da defesa e da comunicação social ficaram sob a responsabilidade do Alto Comissário, que também exercia as funções de Comandante-Chefe das Forcas Armadas estacionadas em Cabo Verde.
O Governo respondia politicamente perante o Presidente da República Portuguesa.
O Comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho Almeida D’Eça, Alto Comissário, o Major José Manuel Vaz Barroco, Ministro da Administração Interna, e o Tenente Coronel de Engenharia Vasco Fernandes de Melo Wilton Pereira, Ministro do Equipamento Social e Ambiente, representavam Portugal, e Carlos Reis, Ministro da Justiça e dos Assuntos Sociais, Amaro da Luz, Ministro da Coordenação Económica e Trabalho, e Manuel Faustino, Ministro da Educação e Cultura, representavam o PAIGC.
Para apoiar os Ministros, foram, entretanto, nomeados, por portaria ministerial, Secretários Adjuntos. David Hopffer Almada, Corentino Santos, Osvaldo Sequeira e Adriano Lima assumiram, respetivamente, os cargos de Secretário Adjunto da Justiça, Secretário Adjunto das Finanças, Secretário Adjunto da Economia e Secretário Adjunto do Equipamento Social e Ambiente. Outros altos quadros deram um contributo inestimável para a consecução da missão governamental.
Nos termos do Acordo de Lisboa, de 19 de dezembro de 1974, e do Estatuto Orgânico do Estado de Cabo Verde (Lei n.13/74, de 17 de dezembro), o Governo de Transição, que tomou posse no dia 30 de dezembro de 1974, devia conduzir as operações necessárias à eleição, por sufrágio direto e universal, de uma Assembleia com poderes soberanos constituintes, que devia proclamar a independência e elaborar a Constituição de República.
No dia 30 de junho de 1975, foram realizadas as eleições à Assembleia Nacional e foi declarada a independência, no dia 5 de julho.
É bom lembrar esses momentos históricos. Trata-se de um dever de memória, mas, também, de um espaço de discussão sobre os contextos e os marcos da história política contemporânea de Cabo Verde. Com certeza que há sentimentos e opiniões diferentes a propósito desses marcos. Isso é normal em democracia, onde a história se vai constituindo a partir da pluralidade de estudos, de opiniões e de sentimentos.
Aquando da tomada de posse do Governo de Transição, a situação era extraordinariamente difícil e complexa: seca prolongada, insegurança alimentar, pobreza extrema, precariedade dos serviços de saúde e de educação e grande vulnerabilidade económica, social e ambiental.
No plano global, vivia-se a era da Guerra Fria, mas nas Nações Unidas um quadro muito favorável à autodeterminação e independência.
Temos de homenagear esses jovens de 74, que lutaram contra o salazarismo e pela autodeterminação e independência de Cabo Verde, destacando-se, então, pela coragem, generosidade e ousadia.
Temos a felicidade de ter dois dos três Ministros do Governo de Transição ainda entre nós, exercendo amplas atividades cívicas, que têm contribuído para a educação cidadã. Carlos Reis também foi membro do I Governo de Cabo Verde, no pós-independência, como Ministro da Educação, Cultura, Juventude e Desportos e exerceu as funções de Ministro Adjunto do Primeiro Ministro, com residência em São Vicente, e de Embaixador de Cabo Verde em Lisboa, com jurisdição em vários outros países europeus. Manuel Faustino foi também Ministro da Saúde e Assuntos Sociais do I Governo pós-independência, Ministro da Educação e Cultura, no I Governo da II República e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, de 2011 a 2021.
O saudoso Amaro da Luz foi o primeiro Ministro das Finanças da República, tendo lançado as bases institucionais para uma gestão sã e prudente das finanças públicas, desde o primeiro momento, e mais tarde exerceu as funções de Embaixador nas Nações Unidas e as de Governador do Banco de Cabo Verde.
David Hopffer Almada ocupou vários cargos ministeriais, durante a I República, Corentino Santos foi Governador do Banco de Cabo Verde e Embaixador nas Nações Unidas, Osvaldo Sequeira integrou Governos da I República e foi Governador do Banco de Cabo Verde, na década de 90, já durante a II República, e Adriano Lima foi Ministro das Obras Públicas num dos governos de Pedro Pires.
O percurso dos dirigentes políticos em Cabo Verde dá-nos a verdadeira dimensão da riqueza e da exemplaridade do processo de desenvolvimento político e institucional das ilhas, desde a independência.
1975 era, para este arquipélago, tempo de emergência nacional. Cabo Verde, sem recursos naturais tradicionais, sem indústrias, sem serviços e em acelerado processo de desertificação física e humana, era, a todos os títulos, um país improvável. 50 anos depois, fizemo-lo um país possível.
Hoje em dia, também, vivemos tempos difíceis, caracterizados por guerras, conflitos, alterações climáticas, protecionismo comercial, extremismos, iliberalismo, discursos de ódio e restrições à mobilidade humana e discriminações dos imigrantes. Cabo Verde continua muito vulnerável e sensível a choques externos.
Em 1975, mobilizamos o país para a construção nacional, agora é tempo de arrepiar, de novo, a juventude, de mobilizar todas as cabo-verdianas e os cabo-verdianos para os reptos destes tempos pós-modernos.
Só num quadro de diálogo e de unidade poderemos responder com sucesso às interpelações do presente.
Se lançarmos um olhar atento ao continente africano e a várias regiões do mundo, podemos dizer que a experiência de Cabo Verde nestes primeiros 50 anos, em todas as suas etapas, foi, tem sido, muito positiva.
Temos um país que funciona, os direitos fundamentais são protegidos e respeitados, há separação de poderes, a justiça é independente e as regras do jogo democrático são assumidas e respeitadas.
Fizemos consideráveis avanços nos domínios da educação e da saúde; as infraestruturas foram amplamente modernizadas, as instituições políticas e económicas são inclusivas.
Precisamos, todavia, andar mais depressa, sofisticar o processo decisório, ser muito mais eficientes na execução e mais eficazes nos resultados.
Face aos reptos de hoje é fundamental assegurar a mobilização de todas as competências nacionais, nas ilhas e na diáspora, num grande djunta mon, para discutir e consensualizar um pacto nacional de desenvolvimento.
Queremos, no horizonte de 2075, um Cabo Verde moderno, próspero e justo, com oportunidades para todos.
Só será possível realizar o sonho, se tivermos confiança no país, vontade férrea de vencer e inquebrantável esperança num futuro melhor, como esses jovens que há 50 anos assumiram o desafio de abrir os caboucos e construir os alicerces de um Estado soberano, aberto ao mundo e com uma enorme ânsia de desenvolvimento durável.
Muito Obrigado.