Mensagem do Presidente da República alusiva ao Dia Internacional da Língua Materna, 21 de Fevereiro de 2019

142

Um dos elementos mais significativos da identidade de um povo é a sua língua, esta complexa arquitetura simbólica que permite o encontro, quase perfeito de almas e, por isso, é um dos elementos estruturantes da Cultura, a nossa segunda natureza.

A língua traduz de tal forma a profundeza das relações que as pessoas estabelecem entre si, com o seu meio, a sua história, a sua vida, que, mesmo quando resulta da apropriação ou empréstimo de línguas alheias, ela é moldada, recriada, impregnada pelo espírito do utilizador.

Hoje celebramos a nossa língua materna, essa forma de comunicação, de criação que ao longo de séculos temos edificado a partir de contribuições de culturas diversas e da nossa vivência singular, através da qual nos afirmamos como cabo-verdianos nascidos em Santo Antão, Fogo, Maio, Senegal, Estados Unidos da América ou Suécia.

É através dela que nos iniciamos no alfabeto da afectividade, na aventura da comunicação, que cada um aprende a ser Eu ao mesmo tempo que se assume como Nós. Talvez, sem ela jamais pudéssemos sentir sodade, vivenciar morabeza e saber o que é um kretxeu.

‘Sodade’ será talvez a mais conhecida do nosso léxico, além-fronteiras. A nossa música levou consigo a nossa língua, o nosso modo de ser e uma mensagem de paz, amor e concórdia de ilhéus orgulhosos da sua história e confiantes no futuro. Na voz de Cesária Évora, do Canadá ao Japão, da Suécia à África do Sul, milhares de pessoas descobriram não só os encantos da nossa música, mas também a forma dos nossos vocábulos, essas palavras estranhas carregadas de sal, solidão e esperança – expressão da nossa dignidade, graça e leveza de espírito.

É bem verdade que foi na nossa língua materna que nos foram contadas as primeiras histórias envolvendo Lobo & Xibinho, Nha Ti Ganga, Gongons e demais figuras que preencheram o nosso imaginário infantil.

A língua cabo-verdiana é, pois, um dos principais traços de união entre os cabo-verdianos e a sua promoção, longe de contribuir para a secundarização da língua portuguesa, que, também, é nossa, permitirá uma convivência mais adequada entre ambas.

Neste quadro, a definição de regras claras para a sua escrita será de grande valia e permitirá a sua utilização no sistema de ensino, para além das experiências piloto.

Os estudos e trabalhos de investigação em curso nas diferentes disciplinas relacionadas com a língua cabo-verdiana têm trazido contribuições importantes, mas seria desejável que o processo avançasse para que, num espaço de tempo razoável, pudéssemos ter a possibilidade de, também, escrevê-la de acordo com normas adequadas.

No momento em que um dos mais importantes veículos da nossa língua materna, a Morna, se candidata ao reconhecimento formal, pela Unesco, de uma realidade que é a sua universalidade, esta celebração adquire importância particular.

Acreditamos que os trabalhos realizados com vista ao reconhecimento da Morna como Património Imaterial da Humanidade, as investigações sobre a língua materna em curso e o possível desfecho positivo dessa candidatura, constituem incentivos muito importantes para a afirmação da língua cabo-verdiana

As importantíssimas contribuições para a nossa língua que a criatividade de Eugénio Tavares, Beleza, Orlando Pantera, Sérgio Frusoni, de entre outros, nos brindaram são, sem dúvida, catalisadores fundamentais para que a língua cabo-verdiana seja elevada ao nível que todos almejamos.

Jorge Carlos Fonseca