DISCURSO PROFERIDO POR S.E. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. JOSÉ MARIA PEREIRA NEVES POR OCASIÃO DA ABERTURA DO I CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE A CIÊNCIA, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NA LUSOFONIA-atualizado

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Foi com muito prazer que aceitei o honroso convite para presidir a sessão de abertura do I Congresso Internacional: Ciência, Inovação e Desenvolvimento na Lusofonia.  Aproveito esta oportunidade para agradecer ao Magnífico Reitor, Professor Doutor Carlos Alberto Delgado, e manifestar o meu enorme entusiasmo e apoio a esta feliz iniciativa, bem como a satisfação pelo facto de ser a cidade do Mindelo a escolhida para acolher o evento.

Duas notas, para começar. A primeira, para destacar a presença da senhora Vice-Presidente da República de Angola em Cabo Verde. A sua presença é luminosa, pois mostra, por um lado, a grandeza das relações entre Angola e Cabo Verde e, por outro lado, a importância que a República de Angola atribui a este domínio  fundamental para o crescimento inclusivo dos nossos países, como é a ciência e a Inovação. Abre-se aqui perspectivas muito promissoras do reforço das relações de cooperação entre as universidades de Angola e as universidades de Cabo Verde e de todo o espaço da lusofonia. Espero que se sinta em casa e que venha mais vezes.

A segunda nota, para destacar o facto de hoje ser o Dia Nacional da Cultura e das Comunidades. Quero destacar a importância das Comunidades enquanto fator de criação de ideias novas e de Inovação de Cabo Verde. A Diáspora tem sido um importante fator de transformação sócio-económica e cultural de Cabo Verde, e vale a pena poder hoje render homenagem a todas e a todos que, de todas as partes do mundo, tem feito tudo para engrandecer a alma e o espírito desta grande nação Global cabo-verdiana.

Aproveito esta oportunidade para prestar uma vibrante homenagem a Manuel Figueira. Uma figura incontornável da cultura cabo-verdiana, um dos caboqueiros do que hoje é o Centro Nacional de Artesanato e Design. Um homem que lançou raízes para que pudéssemos projetar esta imagem da grande resistência das mulheres e homens de Cabo Verde Verde.

 

Permitam-me, agora, que inicie esta minha fala com a citação dos últimos versos de um poema, também musicado, do poeta português António Gedeão:

 

Cisão do átomo, radar

Ultrassom, televisão

Desembarque em foguetão

Na superfície lunar

 

Eles não sabem nem sonham

Que o sonho comanda a vida

E que sempre que o homem sonha

O mundo pula e avança

Como bola colorida

Entre as mãos de uma criança

 

De nome próprio Rómulo de Carvalho, o dia de nascimento deste académico e investigador foi adotado, em Portugal, como Dia Nacional da Cultura Científica, não por acaso. Espero que esta “Pedra Filosofal” seja inspiradora, numa ocasião em que se debate a investigação e a inovação.

O cabo-verdiano sempre sonhou, ousou e venceu. Numa luta que começou desde o povoamento, pelas adversas condições naturais do arquipélago e ambição de mudar a natureza madrasta; os “filhos da terra” cedo aspiram mais justiça, mais igualdade e mais dignidade; com Loff de Vasconcelos e Eugénio Tavares, sedentos de desenvolvimento, também anseiam por mais dignidade; com a geração de Cabral, o sonho é pela independência; depois é a aspiração pela viabilização de um país, pela democracia e pelo crescimento inclusivo e sustentável. A luta pela dignidade da pessoa humana é o espaço comum a várias gerações.

O balanço de quase 50 anos de independência é francamente positivo, com um bom percurso, e Cabo Verde é hoje um país de rendimento médio. Podemos considerar que o desempenho na educação tem sido bom. Os índices relativos à saúde também são bons e temos um Serviço Nacional de Saúde que funciona e conseguimos ganhos importantes no domínio da Segurança Social. Perseguimos um relativo consenso nacional em relação aos fundamentais económico, político e social. Avançamos no processo de criação de instituições políticas e económicas inclusivas e prestigiadas. Temos um Estado de Direito Democrático que funciona e temos liberdade de imprensa. O Poder Local é uma realidade. A justiça é independente.

O facto de sermos uma nação diaspórica, e a busca de liberdade e desenvolvimento, leva a que hoje sejamos um Estado transnacional, com experiências plurais e enriquecedoras, a viver em países mais avançados do mundo e falando as línguas mais importantes. Para os residentes no Arquipélago, a vantagem de ser um povo bilingue pode ser melhor aproveitado, por se tratar de uma competência que nos potencia para sermos poliglotas, e um fator de inserção competitiva no mundo.

Se até agora temos conseguido responder razoavelmente bem no caminho do desenvolvimento, insisto que urge acelerar o passo e empreender reformas profundas. O caboverdiano revê-se na educação cidadã e fermento de elevação social, criadora de motivação e de novos horizontes e oportunidades.

Reitero que temos que ter consciência de que só com a diversificação e a qualificação do nosso processo produtivo, com mais eficiência e orientação para resultados, conseguiremos acelerar o passo e transformar o país.

Seguramente, estes propósitos se aliam com a utilidade e premência da investigação e da inovação, pedra-de-toque deste I Congresso. Estamos convictos de que o conhecimento é a plataforma para o desenvolvimento, traduzido no lema Ciência, Inovação e Desenvolvimento. Nesta aliança, o papel das Universidades é incontornável, em Cabo Verde, e nos demais países da Lusofonia.

Para o nosso Arquipélago, esta coligação virtuosa com as Universidades reveste-se de uma importância evidente na resolução de muitos desafios próprios do desenvolvimento. Se apoderarmos de novos conhecimentos e novas tecnologias, estaremos a potenciar o desenvolvimento económico. Este raciocínio está amparado em exemplos de países que cresceram graças à disseminação da ciência e da inovação.

Decerto que, para Cabo Verde, os benefícios serão óbvios, com a investigação e a inovação a impactarem positivamente no uso sustentável de recursos escassos, na economia azul, na economia verde, na economia digital, no turismo, no incremento de energias renováveis. E as Universidades estariam a contribuir para a resolução dos problemas endógenos, superando os desafios do desenvolvimento. Porém, teríamos que enfrentar e ultrapassar um problema: envidar todos os esforços para melhorar a atual qualidade do ensino, uma questão que é transversal.

No concernente ao ensino superior, mais do que criar Universidades e espalhar escolas pelas ilhas, é preciso substanciá-las e cuidar da sua sustentabilidade. A situação dos professores universitários carece de ser analisada, nomeadamente, o desenvolvimento da carreira embaada no mérito. Há que criar as condições para que os professores universitários dediquem mais tempo à investigação.    

Do mesmo modo que não é concebível Universidade sem investigação, não podemos conceber uma política de investigação sem investimento. Encorajamos, pois, o financiamento de projetos de investigação, em Cabo Verde e nos países da Lusofonia, bem como o apoio à criação de redes de parcerias entre os investigadores lusófonos.

Estamos seguros de que conhecimento e inovação podem ser sinónimos de desenvolvimento. Há que estimular a cultura de investigação e inovação, pilares essenciais do ensino superior, e fatores do dinamismo, da produtividade e da competitividade de uma economia. Trata-se de apostar na economia do conhecimento e na criação de resiliência.

As nossas escolas têm de garantir o conhecimento das ciências, mas igualmente garantir a criação de um espírito de curiosidade pela inovação e pela mudança. Deixo o repto de que, na fase precoce, se possa despertar a curiosidade das crianças para a descoberta, a começar no ensino básico. Incutir nelas ideias novas e a cultura da inovação, assumindo um carácter lúdico.

Só uma Administração Pública impessoal, baseada no mérito, poderá inovar. Ou seja, uma Administração mais descentralizada, que seja amiga do cidadão, das empresas, e um fator de desenvolvimento. Isto implica uma mudança profunda na atitude do Estado e no seu relacionamento com a sociedade: desestatizar a sociedade e empoderar os cidadãos. Sabidamente, algo vai mal enquanto houver necessidade de se conhecer a filiação partidária do cidadão, a cor dos seus olhos, seu ideário político; e ele ter que galgar todos os degraus da Administração, até ao ministro, com registo em fotografia, apenas para fazer valer os seus direitos, como um emprego ou um pequeno empréstimo ou apoio, por exemplo.

Encorajo a que esforços sejam feitos para garantir a qualidade institucional e políticas públicas consistentes, inclusivas e universais. Temos que caminhar no sentido da sofisticação do processo decisório, em contraponto com a Administração de proclamação vigente. A “síndrome da primeira vez” tem levado a um enorme desperdício de recursos e à reedição do mito de Sísifo, com a pontualidade dos ciclos eleitorais. A compreensão dos mecanismos da política torna evidente que o desenvolvimento é uma corrida de estafetas em que cada um vai cumprindo a sua etapa, passando o “testemunho” para o próximo corredor.

Os governos são eleitos para governar, construindo soluções para os problemas. Não se pode, ad aeternum, culpar governos passados, pelos insucessos do presente. Cada um deve assumir as suas próprias responsabilidades. Somos avessos a escutar as propostas dos outros, mas o diálogo político-social tem que prevalecer. Só podemos crescer se tivermos a capacidade de encetar um diálogo político e social.

Há que criar um ambiente favorável ao desenvolvimento, o que só é possível quando cumprirmos os direitos sociais e económicos consagrados na Constituição da República. O desenvolvimento só será alcançado se erradicarmos a pobreza e criarmos oportunidades partilhadas por todos, num país com economia de mercado, pujante e com vigor intelectual. E, naturalmente, com Universidades que funcionam como centros de inovação, como é o mote deste Congresso. Tudo isto é possível: temos que ter confiança em nós mesmos e força anímica para levar adiante os nossos propósitos.

Dando os meus parabéns à Universidade Lusófona de Cabo Verde pela ousadia e pela realização deste primeiro Congresso, faço votos de que este encontro seja bastante proveitoso para os investigadores, académicos, decisores públicos, estudantes universitários e a todo o público-alvo a que se destina. Declaro aberto o I Congresso Internacional: Ciência, Inovação e Desenvolvimento na Lusofonia!

Muito obrigado!